domingo, 29 de maio de 2016

A cultura dos concursos de Miss e os 30 homens sobre nossos corpos

O concurso de miss, diversas vezes atacados pelas mais diversas gerações de feministas, continua a causar alegrias de entusiastas, comemorações e comentários entre os mais diversos setores de nossa sociedade. Quiçá, tanto quanto o futebol, falar e classificar os nossos corpos seja uma prática comum na sociedade brasileira, em especial dos homens, agravada por nossa cultura da informação e da agilidade. Hoje, o mais novo assunto das redes sociais, é a vitória de uma mulher negra, no concurso de miss no estado de São Paulo_
Tal fato, me despertou para algumas reflexões. Precisamos compreender, por exemplo, que não venceremos a cultura do estupro, enquanto não enfrentarmos a cultura do machismo e de sua naturalização. O desejo de mulheres negras, brancas e indígenas a serem bem avaliadas por sua beleza, é sem dúvida um dos sintomas da superioridade dos homens sobre nossos corpos, de uma cultura machista/racista, e portanto, hierárquica, que possibilita a cultura da violência e do estupro.
Essa cultura presentifica-se, na roda de meninos na esquina da escola, a avaliarem suas colegas, nos bailes de debutantes, na escolha da mais bela rainha ou princesa (já que não basta ser bela, é preciso pertencer a realeza), a mais bela da festa da laranja, do pinhão e da paçoca. A lista de concursos seria infindável, pois toda e qualquer festa ou reunião fica mais interessante quando da exposição dos nossos corpos, para os ávidos de plantão e são inúmeros os espaços, que apostam nesta assertiva, faz parte inclusive de pacotes turísticos do país.
Nessa jogada, algumas classificações e avaliações são bem quistas, outras aparentemente não, algumas terão seus corpos bem classificados, ganharão coroas, faixas, se tornarão acompanhantes em todo tipo de festas. Infelizmente ou felizmente, outras, como a dep. Maria do Rosário, não passarão pelo teste e como julgou o também dep. Jair Bolsonaro: “Só não te estupro porque você não merece”.
Desse modo, vamos naturalizando quem é merecedora, quem pode ser violada, estuprada, bem avaliada, quem receberá a coroa e quem não terá a mesma sorte. O importante é não quebrar a regra, independente do que pareça ou não legalizado, corpos de mulheres podem e devem ser avaliados seja em um concurso de miss, ou após ser torturado por mais de 30 homens, ou pelo Coronel Ustra, o que importa nesse jogo? Seguir a regra. A barbárie em que vivemos condena ali, repercute o que parece inaceitável, monstruoso, mais explora e reproduz os reflexos da cultura da violência e da objetificação, que permite a aniquilação dos nossos corpos de uma ou de outra maneira, seja na ideia obsessiva da beleza e juventude ou ainda na hierarquia do que é a beleza, já que é importante lembrar que desde 1986 após Deise Nunes, não tivemos mulheres não brancas a ganharem o concurso nacional.
Manas, quando homens se unem para o estupro coletivo, antes assobiaram e avaliaram pernas, bundas, coxas, em suas redes sociais, nas conversas com os amigos, assediaram um pouquinho, mas a mina também estava a fim não é mesmo? Foram bem vistos por compartilhar fotos e campanhas misóginas contra quem exerce o maior poder executivo do país, antes observaram, talvez sem muito compreender, a retirada da ed.de gênero nos planos de educação municipais e estaduais (retirado pelos setores conservadores e sexistas de nossa sociedade), o líder religioso diz que não é do bem, o prefeito se omite, a câmara de vereadores nos disseram_ tchau queridas. Que país é esse? É o mesmo país que repercute o que chama de barbárie, porém elimina nossa proteção e direitos, ao mesmo tempo que aplaudem de pé, com assobios e compartilhamentos, como em tempos de copa do mundo, a mais nova miss São Paulo, de fato, me parece que essa república da banana, se manifesta cotidianamente entre pão, circo e alguma e outra tragédia. Perguntas necessárias em toda relação de poder, é o quanto esta sociedade patriarcal/escravocrata está disposta a negociar, ou ainda, como em nosso cotidiano permitimos e reproduzimos a cultura hegemônica da qual dizemos  combater.

Cristiane Mare da Silva

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