sexta-feira, 9 de março de 2018

Olhos de Amílcar

De certo , era uma manhã como todas as outras. O que não era certo, era aquele vazio que sentia em alguma parte do corpo.
Já ia esquecendo, meu nome é  Amilcar, tenho sete anos e sou alto, tão alto que quando era pequeno, tinha medo de ser um gigante.
Dizia_ Mãe eu não quero ser um gigante, minha mãe ria de mim e as vezes me contava que eu nunca fui um bebezinho desses bem pequeninos, eu já nasci grande, 53 cm e 5 kilos. As pessoas olhavam pra mim e me diziam - Esse menino é gigante! Ficava pensando que cresceria tanto, tanto , que não ia mais entrar na minha casa, igual um filme que tinha visto com meus pais!!

Deveria ter levantado, tomado café e ter feito as tarefas da escola. Mas aquela dor não deixava e daqui a pouco, minha mãe iria me cobrar. Por mais que eu não quisesse que ela brigasse comigo, preferi ficar jogando no celular, lá no fundo da minha cama, com vontade de deixar de existir. Em pouco tempo, estava a minha mãe na porta blá,blá,blá.
A tarefa era sobre mudanças físicas que haviam ocorrido comigo, do meu nascimento até agora e me fez pensar. Seria muito legal mudar, ser diferente. Desejei com toda força ter olhos azuis e quanto mais pensava, mais inquieto e triste me sentia, não tinha forças pra fazer as tarefas, na bem da verdade aquela coisa ruim tava crescendo e não sabia como dizer. Sabe, naqueles dias em que a gente não tem palavras?
Será que acontece só  comigo? Já aconteceu alguma vez com você?

Mamãe percebendo, a minha tristeza ao invés de me colocar  de castigo, já havia ficado no cantinho do pensamento e não poderia ir pra casa do Miguel no fim de semana, foi uma péssima semana e eu só estava piorando as coisas, me chamou pra conversar no quarto, pensei deu ruim, mais mãe é mãe, como não tinha opção eu fui, bemmm de va ga ri nho para aumentar a distância entre nós.

Mamãe sempre me diz, que sou um menino muito inteligente e carinhoso,   aquele dia não conseguia ser nenhuma coisa nem outra, e o desejo dos olhos azuis crescendo.
- Vem aqui Amilcar- Já estou aqui mãe. - Não assim menino, senta aqui no colo da mamãe, contrariado sentei, afinal não sou mais uma criancinha - Diz pra mamãe o que está acontecendo,
-  nada mãe, não tá acontecendo nada. Ela continuou a fazer mil perguntas e cafuné. Acho que o cafuné faz a gente dizer coisas que depois nem sabe como saiu, de repente eu disse- Mãe, queria ter outros olhos! - Outros olhos Ami?
Tinha lágrimas lá dentro e ela perguntou - Quais olhos gostaria de ter?
Olhos azuis! Olhos que todo mundo vê e diz ohh que bonitos, qual é a cor dos meus olhos mãe?

- Seus olhos são lindos Amilcar, lindamente  escuros da cor dos nossos orisas. A gente tem a cor dos olhos daqueles que a gente ama, seus olhos são iguais da mamãe, do papai, da mana.
Castanho escuro.
- Aqui em casa, alguém tem olho azul?

- Olhos azuis a gente vê mais né mãe! Lembrei que na tv, nas imagens que a profa passa para colorir, nas roupas quando vamos comprar todes tem olhos azuis e minha mãe , perguntando sempre por nós. Na bem da verdade, só na minha casa tudo é diferente,  lá eu me vejo em todo lugar. Queria que o mundo, fosse mais parecido com a minha casa.
Mamãe suspirou - Deve ser porque nossos olhos, são mais raros, raros como pedras preciosas Amilcar
Mãe! Pedras preciosas que ninguém acha bonita.

Mamãe me disse que brancxs devem ter alguma deficiência naqueles olhos, talvez algum tipo de cegueira.Eles precisam se ver em todo lugar e não se cansam justamente por causa dessa doença...Então, me fez lembrar do Pantera Negra, do Chico Juba , um livro que tinha um menino igualzinho a mim e que era inventor (houve um tempo que eu queria ser o Chico Juba), do meu melhor amigo. E de como havíamos ficado tão felizes em vermos Wakanda no cinema, eu e minha irmã nos perguntávamos, Todo mundo é negro mesmo? Nossos olhos brilhavam. De porque me chamo Amilcar e não José.
 Então segurando as lágrimas para que eu não pudesse vê-las, mãe acha que sabe fingir - Filho! - Não podemos desejar ser aquilo que nos destrói.
Ela me abraçou bem forte, daquele jeito que as mães fazem quando querem dizer que amam a gente, mais que tudo, e vão curando qualquer dor .....

Olhou bem no fundo dos meus olhos e dessa vez não disse nada. Eu estava crescendo, havia um milhão de perguntas dentro do meu black power, mas sabia que a minha mãe tinha resposta, ou quase sempre tinha resposta pra tudo. De vez em quando pensaria naquela nossa conversa, no quanto era bom ter olhos que  permitem ver um mundo colorido e ria dessa estranha mania de brancxs e na tal cegueira daqueles olhos azuis. . . Quando crescer vou ser médico dos olhos e fico pensando, será que isso tem cura?



quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018


É como labirinto
Vida na quebrada
Morte na surdina
Quando sobrevive,
é tanta treta
Diz aí Doutor,
quem resiste?

Tic tac, o relógio faz tic
E o gatilho faz Tac
Tô na Roleta russa
A alma tá  um veneno

Queria esquecer
Deixar pra trás
Aquela grade fechando
A solidão
me apertando

Mas essa vida
 aqui em cima
mais parece uma furada
Tô aqui na quebrada
E essa carne Preta,
Quanto  custa?

Não custa...


quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018




Onde me vês
Sou miragem
Dor, resiliência

Onde me escutas,
Sou eco
Loucura

A loucura, que há em mim
Escorre entre minhas pernas, 
Desatina e recomeça

Não, não se atreva
Não me olhe, 
Seu olhar, me causa náuseas, calafrios
Nojo

Quanto a seus privilégios, 
Invisibilidade/Neutralidade, não sei
Pegue seu corpo, sua maldade
Suma, desapareça

A sua existência, 
Me mata aos pedacinhos
E diz que não vê?
Meu corpo, 
No chão, em desalinho


Minha mão,
Estendida, pedindo todo o resto
O teu resto

Me transformastes
Em lodo, ira, violência
E agora!
Agora, não me queres ver?
Sua maldade não te excita?

Como dormes, 
Sabendo que o animal
que vês em mim
É aquilo, que de mais profundo
Habita em ti...

Branco, 
Da cor da guerra, 
Da morte, da lama

Vai vendo, vai vendo
O futuro é Preta ! !
E teu racismo,
 não guenta.

quarta-feira, 19 de julho de 2017


                                                           Foto: Shica


A poesia transborda em imagens, sons e vida, 
os versos capturam o instante, que se pode chamar felicidade... 
E a imensidão da luz,

afugenta o medo do escuro, que é infinito em minha alma

quinta-feira, 22 de junho de 2017


ENCONTRO DAS ÁGUAS: PRECISAMOS FALAR SOBRE AFETIVIDADE

Gênero, raça, sexualidade e religiosidade de matriz africana são temas tratados no documentário “Encontro das águas” | Foto: Estúdio Pose
O sistema escravocrata e as divisões raciais criaram condições muito difíceis para que os negros nutrissem seu crescimento espiritual. Falo de condições difíceis, não impossíveis. Mas precisamos reconhecer que a opressão e a exploração distorcem nossa capacidade de amar. bell hooks

Há temas que são urgentes, Libertem Rafael Braga, Diretas já, a reforma trabalhista. Outros se constituem nas insurgências dos tecidos sociais ___ Encontro das Águas, documentário produzido por Flávia dos Santos e Zaíra Pires, faz parte desse segundo grupo, onde Iara Viana e Rosane Pires Viana, contam-nos sua história de encontros, cumplicidade e AMOR.
Impossível não pensar, que este é o momento. Como ambas na roda de conversa e apresentação do documentário (Bar Aparelha Luzia, na cidade de São Paulo) negritaram__ “Precisamos falar de Amor”, e não há momento mais oportuno para este tema, um momento em que a violência e genocídio sobre a nossa população negra aumentou, em que um racismo/sexismo se tornou a narrativa predominante. A  celebração do Amor, é uma arma revolucionária, isso nos recorda bell hooks em seu artigo Vivendo de Amor  , Numa sociedade onde prevalece a supremacia dos brancos, a vida dos negros é permeada por questões políticas que explicam a interiorização do racismo e de um sentimento de inferioridade. Esses sistemas de dominação são mais eficazes quando alteram nossa habilidade de querer e amar.
É certo, que não raras vezes temos dado e compartilhado violência, porque bem sabemos de todos os traumas, dores, cicatrizes e enorme solidão que as chagas raciais/sexistas tem nos causado, principalmente quando nos encontramos distantes de espaços comunitários e de afetividade, pois ninguém pode amar, quando se é gestado para odiar toda imagem recíproca a si.
Portanto, se o racismo/sexismo habitam nossas entranhas ___Duas mulheres Pretas, felizes, casando-se com a benção dos orixás. Uma família Preta, ousando a tônica do embranquecimento, que nos faz desejar enlouquecidamente a brancura, não como um simples matiz de cor, mas na possibilidade de existência e de vir a ser gente. Rosane Viana aponta, casamento homoafetivo oficializado legitima o processo de luta desse grupo historicamente silenciado por estruturas heteronormativas.
É preciso sim, falarmos sobre felicidade, Amor, afetividade, famílias negras empoderadas, ao compreendermos que nos foi impossível fugir a lógicas raciais/sexistas e que estas organizam parte de nossos sentimentos e querências, contudo sempre há fissuras, de corpos que teimam não apenas em sobreviver, mas em sorrir, compartilhar e Amar.  Pois, nossa luta é pelo direito de sermos felizes e como bem pontuou a mãe de Santo que fez a cerimônia, o Candomblé é a religião da felicidade, cultuamos a felicidade o tempo todo. Nessa diáspora atlântica conjugar nossas vidas em cosmovisões de mundo, que afrontam as lógicas mercantis do deus cristão, nos tem possibilitado reconfigurar laços e ritmos que nos reconectam com nossa ancestralidade africana, ao mesmo tempo em que nos fortalece para um cotidiano que tem como desejo nossa aniquilação.
 Mas podemos nós, Pretxs que somos falar sobre o prisma de tais substantivos? Iara Viana e Rosane Pires Viana nos dizem com sua existência, que sim. É possível, extremamente necessário e insurgente.
Vem meu/minha pretx pra cá,
Pros cafundó do meu sertão....
na caatinga do meu coração
 (Assucena Assucena)

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Poeta,
No devir de  mundo
A ser inventado

Produzindo palavras, rimas, cantigas
No desejo de encontrar arco-íris
E voltar a ser borboleta . . .

terça-feira, 11 de abril de 2017

Que a Poesia, se demore em nossos corações

E faça de nossa casa

Sua eterna moradia...